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“Maô, o mais recente trabalho de Mauricio Tagliari, tem qualidades paradoxais, de um disco ao mesmo tempo maduro e arredondado no samba enquanto é crocante e experimental ao mesmo tempo. Um grande prazer ouvi-lo, tão bem gravado e interpretado que merece ser engarrafado em vinil. Mauricio conduz a multidão de artistas que participam com inegável controle, como um mestre de bateria que com seu apito transforma e renova a levada, seu violão dando a cadencia e a ironia fina de acordes aprendidos no tempo do Nouvelle Cuisine.  Triste constatar que tempos escuros produzem a Música mais luminosa.” Pena Schmidt, da #listadaslistas

“Em meio às tantas dúvidas dos nossos tempos, resta apenas uma certeza compartilhada por todos os adultos do planeta: o mundo acabou. Pulamos direto da pré-história da humanidade para os dias finais da espécie, provavelmente dias finais do próprio planeta.

Nada pode ser feito. E se algo podia ser feito, não há quem o faça. Apenas observamos “o giro dos ponteiros do relógio no pulso de um morto”, como diz o filósofo. A venenosa flatulência demoníaca explode em todos os cantos, na forma, por exemplo, de Trump ou filmes de Marvel, e se o enxofre foi essencial para o surgimento da vida, essa nova versão só mata. Nada nasce, nada sobrevive. E parece que o que nos resta, nestes últimos dias do planeta, é reler os clássicos, voltar aos impressionistas e ouvir a música de tempos mais felizes, tempos em que a arte era viva e tinha vida pela frente. Mas então, de maneira imprevista, surge algo a perturbar mesmo esse consolo: aparece esse MAÔ e à golpes de pandeiro derruba nosso reconfortante pessimismo e faz a gente duvidar da única certeza que tínhamos.

MAÔ prova que a música ainda está viva e que eu é que estava ruim da cabeça, doente do pé, e não percebi que o samba não só continua sambando, mas se desenvolvendo, virando outras coisas. MAÔ prova que o mundo não acabou.” Rogério de Campos, escritor, dicionarista, editor da Venetta e roqueiro aposentado.
Ouça MAô: Contraponto e Fuga da Realidade aqui.

“Que o Mauricio é um grande compositor, eu já sabia. Que ele é um produtor dos mais inventivos, isso também não era nenhuma novidade para mim. Já escrevemos canções e gravamos outras tantas juntos, então eu já suspeitava que um disco dele seria, no mínimo, lindo. Mas uma coisa me surpreendeu e que nesses 15 anos de amizade eu ainda não conhecia: a voz do Mauricio cantor! A descoberta do seu timbre, tão doce e cheio de personalidade, me deixou tão feliz. “Essa é a tua voz?”, lembro que falei pra ele.  Uma surpresa que preencheu meu coração de alegria e me fez lembrar da primeira vez que ouvi a minha própria voz gravada. Sempre parece ser outra pessoa, mesmo quando é a gente mesmo. A voz do artista, também metaforicamente, é uma descoberta que muitas vezes leva anos e que nos leva sempre além de nós mesmos – seja a gente o artista, ou o ouvinte. Ir além do próprio eu e se descobrir nesse processo: parece que foi isso que Mauricio mais exercitou na invenção fantástica desse disco, que reúne grandes talentos da nossa cena musical atual. Foram ao todo 36 artistas que se misturaram a ele, em um processo que é a prova viva do que mais aprendi ao conviver com a sensibilidade desse produtor, compositor, cantor e amigo: que música boa é surpresa, encantamento que vai além das regras de certo e errado, experimentação que cria algo surpreendente até mesmo para seu criador. É assim que o artista Maô surge: da sua generosidade em criar coletivamente, da sua habilidade em reunir os talentos certos para cada canção e da sua visão de música sempre tão subversiva, que abre espaço para o impensável acontecer.” Lulina, cantora e compositora.

Ouça aqui na sua plataforma preferida.

Um antropólogo poeta com mira certeira! A união de sabedoria, imaginação, ousadia, intuição, irreverência e malandragem. Um dos caras que mais admiro na música brasileira atual. Que não passa pano, não se enquadra, não se entrega. Como agradecer sua generosidade?  Sua visão? Nossa parceria foi a última a entrar no álbum. Mas de tão catártica acabou batizando o projeto. Contraponto e Fuga da Realidade é uma embolada/slam com cheiro de freejazz. Algo entre Hermeto e Glauber. Naná e Talking Heads. Ou não… Nasceu meio por acidente e pelo desejo de fazer uma colaboração com Leo. Uma colagem de versos meus e dele. Sendo que os meus mais parecem dele, tamanha a admiração. Anjo Negro Leo. Valeu. Mas quero mais!

Os amigos já sabem que vem disco meu por aí.

MAô- Contraponto e Fuga da Realidade.

É a forma que tenho de resistir à barbárie diária que nos é imposta atualmente. Já coloquei dois singles no mundo: Bando à Parte (minha e do Clima) e Sede (minha e de Luedji Luna). Mas antes de botar o bloco todo na rua (deve ser lá para maio) quero começar uma série de posts nos quais vou agradecer a cada amigo, músico ou parceiro de composição por ter me inspirado e ajudado a realizar este projeto. São 36 no total. Para quem não os conhece, fica a dica: é a fina flor da música mais criativa que rola por aí. Gente que toca com todo mundo que interessa. Indo atrás deles dá pra fazer as inacreditáveis playlists da melhor música brasileira do século XXI. Acompanhe nos próximos dias.  

Fui um devorador de enciclopédias. Mais do que apenas livros, li algumas delas. Comecei por Delta Larousse, Enciclopédia Jackson, Tesouro da Juventude. Mas meu saudoso pai era compulsivo com isso. Comprou quase todas as coleções de fascículos e deu muito dinheiro para a editora Abril. De “Grandes Personagens de Nossa História” (nome pomposo e coleção muito útil nas aulas de Educação Moral e Cívica dos tempos da ditadura…) até “Bom Apetite”, passando por “Automóveis” , “Gigantes do Jazz”, “MPB”, “Gênios da Pintura”. Uma das  mais fascinantes era “Como Funciona”, enciclopédia fartamente ilustrada explicando o funcionamento de praticamente “tudo”. Um motor a vapor, um transmissor de rádio, um elevador, um aparelho de raio-x, a eletricidade, a energia atômica. Isto foi muito antes da internet e mesmo de existir um computador pessoal.

O objetivo aparente da publicação consistia em expor a complexidade de certas coisas de que usufruímos sem ter a mínima noção de seu funcionamento. A maioria das pessoas não gasta um segundo para pensar em como a água ou a eletricidade chegam a suas casas. Nem faz ideia da programação de um app que usa muitas vezes durante horas de seu dia, de olho grudado no celular. As pessoas nem imaginam como são controladas e manipuladas. Não estão nem aí para sua privacidade.

Penso nisso ao assistir à tragédia sócio/educacional/cultural/eleitoral do nosso querido Brasil em 2018.

Do mesmo modo que nada sabem sobre o real funcionamento de aparelhos e tecnologias com que convivem, os brasileiros (mas não só eles) ignoram olimpicamente como funcionam centenas de instituições, seja o sistema financeiro, a bolsa de valores, os meandros barrocos e fétidos do judiciário, os porões das delegacias, os sindicatos, a burocracia dos legislativos, o trabalho de lobistas e a origem da corrupção, os interesses da imprensa e dos grupos de mídia, os planos de saúde, a relação entre neopentecostais, políticos e crime, o PCC e por aí vai.

A realidade ficou muito complexa para o cérebro humano abarcar e entender em sua totalidade. Algumas pessoas compreendem muita coisa de algumas coisas. Mas a maioria não entende quase nada de nada e pensa que tem autoridade moral para impor sua visão de mundo parcial, emocionalmente infantil e equivocada. Uma velha canção do Talking Heads chamada “People Like Us” descreve o americano médio babyboomer: “We don’t want freedom. We don’t want justice. We just want someone to love.”

As pessoas querem respostas simples. Soluções rápidas. As pessoas têm medo de se sentir frágeis e ignorantes. Temem ser confrontadas com a perplexidade ao constatar que nós seres humanos não somos tão importantes assim nesse universo. Milhões de linhas já foram escritas para explicar a necessidade humana de Deus, de autoridade, da figura atávica do pai. As pessoas precisam acreditar em algo para continuar a enfrentar o absurdo. Mesmo que seja uma mentira, uma ilusão. Buda até tentou nos libertar! Mas as pessoas… Como satisfazê-las?

O fascismo descobriu o melhor truque há mais de um século: ache um bode expiatório. Unificando os medos, as ignorâncias, as fragilidades, as carências. “Vamos destruir este inimigo tão vil. Nós, as pessoas de bem, somos fortes.”

No momento certo e em dadas condições, até a pessoa mais empática, generosa e cheia de bondade se engaja no preconceito e no ódio. A maioria tende a não enxergar o óbvio da escalada de violência e a relevar as palavras e atitudes violentas de um funesto líder. A única verdade é que as pessoas acreditam no que querem acreditar.

A parte da neurociência que estuda arbítrio e moral traz centenas de exemplos e estudos de como a mais bondosa pessoa do mundo pode ser um torturador sob certas circunstâncias. O experimento de Stanley Milgram nos anos 1960 já clareou muito do que Hannah Arendt questionava em “A Banalidade do Mal”, sobre a crueldade de gente de bem sob o nazismo. Tem um bom filme sobre isso na Netflix. Vale assistir. As obras de Kafka, Bradbury, Orwell e muitos outros descrevem o massacre do indivíduo por um sistema totalitário, sufocante.

A sociedade brasileira está fraturada. Vai levar décadas para curar, se conseguir, as feridas, não importa quem vença a eleição. Será pior e mais cruel se a solução simplista do candidato fascista triunfar. Como diz a personagem de Geraldine Chaplin no filme “Fale Com Ela”, de Almodóvar: “Eu sou bailarina. Eu sei que nada é simples”.

Por menos sangue derramado nas ruas e mais vinho derramado em nossas taças.

 

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Utopia. Do grego ou (“não” ou prefixo de negação) e topos (lugar), tem como significado secundário um lugar que não é no agora, mas que pode ser construído no futuro.

Retrô. Um estilo cultural desatualizado ou velho, uma tendência, hábito ou moda do passado que com o tempo volta a se tornar aceitável.
Em 2015, achei um caderno de música com anotações e temas que escrevi entre os 15 e 25 anos de idade, meus tempos de estudo musical a sério. Olhei com atenção e ali encontrei coisas interessantes, ideias das quais eu me esquecera totalmente. Por trás de uma variedade de ritmos e estilos de harmonia, havia em comum uma ligação meio ingênua com alguns dos ícones tortos do jazz. Charles Mingus, Thelonious Monk, Django Reinhardt ou Bix Beiderbecke não eram os nomes mais cotados numa época em que o jazz fusion reinava absoluto.

Contudo, a renascença do jazz tomou lugar e tudo mudou. Fiz parte de uma banda de jazz que se poderia dizer pós-moderna: Nouvelle Cuisine. Aprendi muito nessa fase. Tornei-me um produtor musical e trabalhei com dezenas de artistas, além de ter criado centenas de trilhas de filmes.

Ao dedilhar algumas das melodias do caderno me ocorreu um sentimento não de nostalgia, mas de espanto. Cada uma das partituras que escrevi sob a inspiração do jazz, a música da minha adolescência, trazia um estado de espírito impregnado de esperanças no futuro plural, mais livre e sofisticado. A ditadura desmoronava. Nascia o Hip Hop. Existiam já o punk, o reggae e a música eletrônica. Mas a matriz afro-blues do jazz me parecia mais aberta. Menos dogmática. Mais promissora. Aquele era um mundo que poderia ter sido e não foi, como se uma bifurcação do tempo nos levasse para outra dimensão, utópica.

Mas onde estão as utopias? Vivemos a era das distopias. Quando penso que, adolescente,  descobri Julio Cortázar em uma revista Nova na sala de espera do dentista e Vladimir Nabokov, em uma Playboy do barbeiro, que ouvi Hermeto Pascoal numa escadaria de rua de São Paulo, que comprei discos autografados num pós-show diretamente das mãos dos músicos do Art Ensemble of Chicago e vi filmes clássicos em telas gigantes de cinema, o que experimento não é nostalgia. Eu me sinto algo decepcionado com a acomodação que o capitalismo neoliberal nos impôs.

Tive vontade de percorrer aquele outro caminho. Aquela utopia. Daí me veio o nome do projeto: Utopia Retrô.

Utopia Retrô é uma fantasia sonora jazzística baseada em cenas arquetípicas do cinema mundial. Sua sonoridade e seus temas remetem a um tempo em que os problemas eram como os de hoje, mas a esperança em várias utopias parecia maior. Um mundo onde o jazz e a música improvisada e sofisticada eram consumidos e fruídos com leveza e despretensão por qualquer ouvinte nas rádios, bares e em LPs.

Uma das recompensas ao realizar tal fantasia foi tocar com um parceiro musical que trilhou de perto essa trajetória desde minha adolescência, o reservado e genial Luca Raele. Um tesouro que só os iniciados sabem apreciar. A outra alegria esteve em encontrar dois parceiros de geração muito diferente da nossa, mas donos da musicalidade que transcende a vivência, a experiência e a teoria. Sou muito grato a Danilo Penteado e Carlos Mazzoni. Danilo, um jovem e gigantesco talento, integrou a sessão com o baixo acústico. O melódico e contido Mazzoni, com sua bateria sutil.

Apenas entramos no estúdio, mostrei os temas, quase sempre resumidos a uma página de compassos. Tocamos uma vez para reconhecimento, algumas ideias nos ocorreram e gravamos a segunda passada. No máximo, duas tomadas. Entendimento imediato.

Os arranjos, que por momentos podem parecer combinados, são totalmente espontâneos. Remetem a gestos e ideias do repertório cool jazz, mas com a liberdade e alegria de um free jazz despretensioso. Se fosse classificar, esse material soaria natural dentro do movimento Third Stream, surgido em fins da década de 1950. Lembra algo de Jimmy Giuffre, expoente da tendência, mas muito pouco do Modern Jazz Quartet, outro grupo-símbolo do Third Stream. Ou seja, utópico e das antigas.

Todas as faixas foram gravadas em certo dia de 2016 e guardadas preguiçosamente até que fossem mixadas em outro certo dia de 2017. Simples assim. Entre duas gerações, naquele dia, compartilhamos concepções de jazz quase opostas: a contenção do cool jazz e a improvisação arriscada do free jazz. Sem ensaios, sem combinações de arranjo, sem edição, sem overdubs. Uma fotografia sonora. As imperfeições eram esperadas e apreciadas. Em sua maioria, as músicas sugerem suavidade. Se o disco tocar baixinho, engana fácil como música de fundo, calmante e amiga do seu bem-estar.

Mas justamente essa característica, somada a algumas estranhezas sutis, pode ser causa de certo desconforto mental. Estamos acostumados a uma música potente, anestesiante, catártica, sons comprimidos, pouca sutileza, sempre dentro de padrões impostos. Assim como deixamos de nos alimentar saudavelmente, esquecendo os amargos e os sabores estranhos e nos satisfazemos com junk food, doce ou salgada, comida congelada e padronizada, não temos mais ouvido para música com dinâmica. Tudo tem de ser intenso, gritado, potente. A rebeldia aqui, contudo, é ser suave, gentil e natural.

Um pouco depois de nosso encontro musical, li uma das últimas entrevistas concedidas pelo filósofo Zygmunt Bauman, morto em janeiro de 2017, na qual ele alertava: “Estamos involuindo de uma crença tola no futuro para a mistificação infantil do passado.” Soube que seria lançado um livro póstumo de sua autoria intitulado Retrotopia, discutindo justamente este assunto.

Vejo em Retrotopia e Utopia Retrô coisas diferentes, mas muito parecidas. O reconhecimento do fracasso de uma utopia não é necessariamente uma derrota, porque o ser humano passa a buscar as coisas boas do passado. Em um mundo tão cruel, frio, competitivo e sem esperança como este vivido por nós, uma música que deseja ser divertida, suave, gentil e natural significa um desvio na estrada do tempo e pode constituir um fiapo de prazer. Pode-se conhecê-la em qualquer parte do mundo via streaming. Se alguém vai ouvi-la é um outro assunto. As mensagens na garrafa são lançadas ao mar.

A banda

Danilo Penteado, multiinstrumentista formado em Música Popular na Unicamp, em 2004, fundou o grupo Quatro a Zero em 2001 (Prêmio Visa de Música Brasileira de 2004). Gravou com grandes nomes, como Joel Nascimento, Nailor Proveta, Maurício Carrilho e Oscar Bolão. Desde 2009 integra a Orquestra Mundana de Carlinhos Antunes tocando piano, cavaquinho e acordeon. Acompanhou a orquestra em festivais na França, Burkina Faso, Guiné e Bolívia. Integrou, com Natalia Mallo e Mariá Portugal, a banda Sinamantes, que lançou seu disco autoral em 2013, produzido por John Ulhoa, da banda Pato Fu. Com a Sinamantes excursionou pelos Estados Unidos, Portugal e Inglaterra.

Além de cantar e tocar baixo acústico no Compay Tumbao desde 2006, numa duradoura pesquisa em torno da música cubana, tem gravado trilhas para teatro e cinema e acompanhado nomes como Elza Soares e Mariana Aydar.

Carlinhos Mazzoni nasceu em 27 de agosto de 1981. Neto da pianista erudita Joana Elias, teve contato com a música desde cedo. Iniciou seus estudos como baterista aos 11 anos.

Carlinhos Mazzoni é baterista e compositor, iniciou seus estudos aos 11 anos. Atualmente, integra o Carlinhos Mazzoni Trio; Stephane Fernandez Trio(França), junto com o baixista Michael Pipoquinha; o Quarteto Instrumental Culto ao Rim e o Adriano de Carvalho Jazz Sexteto, além de acompanhar o pianista Daniel Szafran. Já tocou com o compositor Bruno Serroni, a cantora Blubell, a cantora Silvia Tape e o guitarrista e compositor Edgard Escandurra.

Maurício Tagliari, compositor, guitarrista, produtor (Nação Zumbi, Trio Mocotó, Nina Becker e Blubell, entre outros) e diretor musical do selo ybmusic (mais de cem CDs lançados e vários prêmios recebidos, Sharp, APCA, Prêmio da Música Brasileira), foi um dos fundadores do grupo Nouvelle Cuisine e da Univesral Mauricio Orchestra. Ex-presidente da Aprosom, diretor da ABMI e da BM&A,  membro da Academia Brasileira de Gastronomia e autor do Dicionário do Vinho – Tagliari & Campos, cria e produz trilhas sonoras para longa-metragens e séries de TV.

Luca Raele, clarinetista, compositor e arranjador formado pela ECA-USP, com passagens pelas orquestras Sinfônica Municipal e Jazz Sinfônica, fez parte do grupo Nouvelle Cuisine e da Heartbreakers Orquestra. É fundador do premiado quinteto de clarinetes Sujeito a Guincho e sócio-diretor da ybmusic.

Ouça https://open.spotify.com/album/44vY7z6rgegGBauq5BJShV?si=0c2gMsj1TMS3IyWKSXWdBg

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uma estrela

tenho pena dos que insistem em dizer que a música brasileira não faz nada mais de bom. gente que parou em caetano e chico. gente preguiçosa que só conhece o que a globo divulga.

que sorte viver em são paulo e poder ver músicos do brasil todo criando e experimentando. ontem pude compartilhar com a plateia do restaurante bona – nova casa de shows que vem dividir nossas atenções com a casa de francisca e outros espaços de ousadia e bom gosto- o deslumbramento que é maria beraldo – que já brilha com/no quartabe, bolerinho, arrigo barnabé, iara rennó, etc- em seu trabalho solo.

maria, seja na guitarra, no clarinete ou cantando, tem a força e a expressão de uma entidade misteriosa. meio andrógina, meio andróide, meio anjo. escreve e interpreta com inteligência fria. parece conter um vulcão sob o iceberg. de laurie anderson e bjork à beatles, caetano, gil, etc tudo cabe na sua panela de pressão. o caldo é denso. ela vem aí. está chegando. te cuida st. vincent!

Luiz Gonzaga e eu.

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Tenho uma tese sobre a música popular brasileira. Na verdade nem é minha. Li em algum lugar no século passado, não lembro onde, e encampei. Temos três matrizes. Pixinguinha, Caymmi e Luiz Gonzaga. De Pixinguinha vem toda uma vertente de samba, choro, música instrumental refinada e pagode popular. Sem ele não haveria Zeca Pagodinho. De Caymmi saiu a linhagem de Tom Jobim, das canções sofisticadas, a bossa nova, da sabedoria zen, nagô, praieira, da concisão. Rodrigo Campos é, hoje, meu modelo caymmiano. Mas foi de Luiz Gonzaga que vieram o tropicalismo, a mistura, a conexão entre a mais profunda raiz rural com o universalismo urbano, com o wifi. Tem funk, forró, festa, ragga. Sua música tem sofisticação melódica e alta força poética, lírica e épica, sem deixar a energia esfriar. Gilberto Gil seria sua síntese continuadora. Mas nem MC Bin Laden nem Hermeto Pascoal estão fora dessa jurisdição. Luiz Gonzaga inventou um som, um estilo, soube explorar o visual, o chapéu de couro. A voz potente e de timbre rico. Um artista pop. Um catalizador. Um Bob Marley, um Chuck Berry brasileiro. E com a sabedoria de ter escolhido letristas parceiros impecáveis. Muita gente nem sabe da importância de Humberto Teixeira, Zé Dantas, entre outros.

Claro que essas três matrizes se misturam, se entrelaçam, se guerreiam. Mas isso é assunto pra papo longo. Sempre que posso volto ao mestre. Desde criança convivo com sua música. Meu pai, branco paulistano, descendente de italianos, mais até do que a família baiana de minha mãe, me transmitiu o amor por estas canções. Claro que foi algo filtrado por sua experiência de ouvinte de rádio, comprador de disco. Não sou um gonzaguiano roots, de forró pé de serra. Mas ninguém é perfeito.

Em 1999, produzimos, na ybmusic, em parceria com a Candeeiro Records, um álbum chamado Baião de Viramundo, lembrando  dez anos da morte de Luiz Gonzaga, viabilizando uma ideia de Pupilo, baterista do Nação Zumbi. Era uma visão bem pouco ortodoxa da obra de Lua. Versões cheias de beats, samples e guitarras distorcidas permeavam cada faixa. Nação Zumbi, Otto em início de carreira, bandas como Comadre Florzinha e Mestre Ambrosio, berços de Karina Buhr e Siba, respectivamente, Naná Vasconcelos, Nouvelle Cuisine renderam suas homenagens ao mestre. Esse disco correu mundo. Entrou em lista de melhores do New York Times. Infelizmente não está nos serviços de streaming legais acessíveis no Brasil por questões menores (resolvidas, espero, em breve).

Em 2012, fiz a direção musical do espetáculo Danado de Bom, no Auditório Ibirapuera, gravado e lançado pelo Canal Brasil, com cerca de 30 artistas desta cena paulistana então embrionária, incluindo Tulipa, Blubel, Kiko Dinucci, entre outros.

No final de 2017, em 13 de dezembro, Luiz Gonzaga, o Lua,  faria 105 anos. Mas cá estou de novo escutando sua obra, imerso neste universo, me preparando para um show muito especial.

Dia 14 de junho, na Casa de Francisca, estarei acompanhando Laya no show Laya Canta Lua. Laya, junto com os queridos e talentosíssimos Saulo Duarte, Alessandra Leão e Romulo Froes, acompanhada por Igor Caracas (percussão), Danilo Penteado (sanfona, piano, cavaquinho) e Guilherme Kafé (baixo e violão barítono) escolheu um repertório que inclui o relicário básico (Asa Branca, Qui Nem Giló, Parahiba, Baião, etc) assim como pérolas (como Facilita,  Roendo Unha, Sabiá, etc) e trouxe uma visão de artista que viveu esta música organicamente desde a infância, passou por outras paragens contemporâneas e guardou os sabores, cheiros e sons de sua origem. O resultado é, como nas outras vezes em que me envolvi com a música de Gonzaga, um encontro e uma busca. A síntese da origem, a experiência e o futuro. Coisa que só um mestre radical como Luiz Gonzaga pode gerar. Salve o grande Lua!

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